Quem ja ta por aqui sabe bem o quanto gosto de fazer hiking, alias sempre to fazendo, mania antiga essa ja praticava desde quando morava no Rio. Eu sou sistematica, se vou fazer hiking com alguem/grupo eu sempre gosto de checar o que a outra pessoa ta levando pra comer, tamanho da garrafa d`agua, se tem algum problema de saude, essas coisas parecem besteiras mas nao sao, vai que acontece alguma coisa, vai que o "ser" nao tem comida/agua suficiente; eu sempre penso nessas coisas porque uma situacao e alguem passar mal no meio da cidade outra e alguem ter um piripaque no meio do mato.
Semanas atras (duas pra ser exata) fui fazer hiking com uma "pessoa" (nao vamos citar nomes certo?!), combinamos hora de chegar la, vimos o nosso roteiro do dia, quantas horas fazendo hiking, enfim essas coisas, eu que sou de checar tudo dessa vez deixei passar, afinal tava cansada da faculdade, provas acontecendo, tanta coisa pra me concentrar certo, dai pensei pra que vou me preocupar com o que a pessoa ta levando se ela tem experiencia fazendo isso, ela sabe do que precisa. A unica que coisa que me certifiquei foi de colocar na minha bolsa 4 barras de cereais e uma garrafa d`agua extra.
Eu podia escrever um livro de tudo que foi errado naquele dia, mas vou resumir pra nao ficar cansativo e desculpem nao tenho a minima vontade de relembrar cada detalhe, a "pessoa" como comida levou uns punhados de almonds and that`s it! Ai pra melhorar, ainda machucou o joelho e nao tinha agua suficiente. Talvez a outra parte que foi errada foi o fato de eu nao ter ouvido minha intuicao, fiquei com uma coisa na cabeca que a gente devia voltar de um certo ponto, provavelmente nao foi nem intuicao foi o bom senso mesmo gritando que a gente nao tava preparado pra continuar. Mas continuamos, ate que num certo ponto a pessoa simplemente cai toda se tremendo, babando, nao conseguia falar, nao conseguia mexer um musculo sequer. Eu no desespero por um lado dando agua e almond na boca da pessoa com cuidado pra ela nao engasgar e morrer de vez, e na outra mao ligando para o 911 chorando horrores e explicando a situacao. Eu na pratica entendi a regra idiota de algumas cia aereas de nao deixar alguem nao nativo na lingua sentar na saida de emergencia, pois no desespero voce vai falar a sua lingua nativa, e foi isso que aconteceu comigo, comecei a esquecer palavras tao basicas do ingles, o jeito de falar tambem foi pro espaco levou um tempo ate eu conseguir me concentrar e explicar em ingles onde a gente tava, o que estava acontecendo, quanto tempo hiking, e por ai vai.
O pessoal do 911 contatou os rangers do parque, que me ligaram de volta e dai comecou a novela da localizacao, no meio tempo a "pessoa" conseguiu se mexer e foi melhorando um pouco, ate cheguei a colocar no telefone pra falar e explicar como ela tava se sentindo para um dos guardas. Entao combinamos de ir andando devagarzinho ate encontrar com eles no meio do caminho. O problema da trilha que fizemos e que ela era pesada e com muitas subidas, o que dificultou muito pra gente, eu tava carregando tudo e a "pessoa" ainda tava se apoiando em mim. Depois de 3 horas a gente finalmente chegou no visitor center, os guardas nao nos encontraram (isso porque falei a trilha e expliquei o ponto que a gente tava heim, e so pra deixar claro a outra pessoa tambem fez isso, ou seja, nao foi pelo meu ingles precario que nao nos acharam mas foi pela falta de conhecimento das trilhas e pontos do parque mesmo).
Quando chegamos la tinha uma recepcao de duas ambulancias, uns 10 carros da policia, 2 carros dos rangers, e mais uns dois carros pretos que nao faco a minima ideia a que orgao pertencia. Pergunta se a ambulancia tinha agua ou algum fluido pra oferecer pra "doente"? Nao, e como chegamos andando e ela nao quis ir pro hospital, preencheu varios papeis, bebeu a agua extra que deixei no carro e depois de 30 minuto saimos do parking lot com o acordo de parar no primeiro lugar que vendesse comida, mas o primeiro lugar era um restaurante, voce quis parar? Nem a pessoa, ai vem a segunda parte da noite (isso ja era pra la das 6 horas).
Bem a "pesssoa" decidiu parar num posto de combustivel em outra cidade, mas perto de chegar la ela comecou a passar mal de novo, dirigindo. conseguimos parar num posto de gasolina que tinha antes (pura sorte), ai me entro correndo na loja do dunkin donuts pra comprar algo pra comer, o cara decidi virar meu amigo e conversar e ir na velocidade da tartaruga, no nervoso pedi pra ele fazer o que era mais rapido, joguei 20 dolares do balcao e falei que voltava, peguei uma agua na prateleira do lado e sai correndo pro carro, mas a pessoa ainda nao tava la muito mal entao me certifiquei que ela bebeu um pouco da agua e comeu um pedaco da bagel que levei comigo, entrei pra pegar o que ficou pronto, mas na hora que cheguei no balcao so ouvi o barulho de uma buzina incessante vindo do lado de fora. Voltei correndo e achei ela caida com a cabeca pra frente, de novo sem poder falar, babando, se tremendo. Podem me chamar de ruim, mas na hora me veio um sentimento de raiva porque falei pra parar no restaurante e comer alguma coisa antes de seguir viagem e por causa da teimosia alheia la estavamos nos de novo na mesma situacao.
Nessas horas a gente vivencia o melhor e o pior do ser humano, gente uma moca saiu nao sei da onde falando que era enfermeira e comecou a me ajudar, o rapaz do balcao chamou a emergencia e um cara que tava na loja vendo a situacao me pediu licenca pra poder abrir a porta do carro dele e ir embora (marca esse aqui). A enfermeira me fez varias perguntas sobre a pessoa, e por fim alguem apareceu com um saco de acucar que ela colocou na boca da "pessoa" e me falou pra parar de dar a agua, essa enfermeira ficou comigo ate a ambulancia chegar, o rapaz do balcao, trouxe mais uma garrafa d`agua e checava toda hora se a gente precisava de alguma coisa. Por fim a ambulancia chegou (a mesma que tava esperando a gente no final do hiking) e comecaram a medir pressao, dar fluido (porque nao fizeram isso antes??) e comecar a preparar a "doente" pra ir pro hospital. Para resumir o primeiro atendimento da enfermeira, salvou a noite, isso porque tudo que a pessoa precisava era acucar ja que no esforco do dia ela perdeu varias coisas pelo suor e alguma coisa culpa dos eletroides.
A "pessoa" foi melhorando e teimando que nao queria ir pro hospital, mas dessa vez eu falei que ela ia sim e pronto, imagina no meio do nada ter outro piripaque desse. Fomos pro hospital (de ambulancia com sirene ligada e tudo), ela deita na caminha pra ser examinada eu sento na cadeira dura do lado dela. Nessa hora eu percebi que tava com minha mao toda ralada e sangrando, e ela ja devia ta sangrando faz tempo porque minha calca do lado tava toda suja de sangue, tambem reparei que eu tava me tremendo toda, com a garganta seca e dai me veio a sensacao que o mundo comecou a rodar. Mas me neguei a passar mal tambem, bebi a agua, comi a baguel que eu tava carregando comigo desde a hora que deixamos o posto de gasolina, e fiquei desse jeito quieta na minha.
Dai me entra o medico pra falar o que afinal de contas a "pessoa" tinha, e adivinha quem era? O cara que pediu licenca pra abrir a porta do carro. Eu reconheci ele na hora, ele ficou todo sem graca e falou que ja tava atrasado para o turno dele que nao pode ajudar, minha vontade foi dizer o otimo profissional e ser humano que ele era (SQN). Bem deixamos o hospital por volta das 10 da noite, a "pessoa" ja tava melhor, apesar de ter que repousar e eu tava ficando pior a passos largos. Pegamos um taxi para o posto, pegamos o carro e voltamos pra casa, no caminho paramos pra comprar comida e quando cheguei em casa eu tive um colapso, nem sei se chama assim mas foi o nervoso, falta de comida e agua. Comi, bebi, tomei banho, cai na cama e senti que meu joelho tava inchado, meu braco machucado assim como minha mao, e nao consegui dormir de dor.
Dia seguinte fui pra emergencia e aguentei um lecture sobre como fiquei um fio de morrer, eu tava desidratada, meus levels de nao sei o que tavam muito abaixo do que deveria e bla bla bla. Quando a gente ainda tava no hiking eu deixei de comer e beber minha agua pra deixar pra outra "pessoa", pois eu sabia meus limites os dela eu nao conhecia. Aparentemente eu passei um pouco dos meus limites, porque passei a semana toda sem forca e me sentindo horrivel, fora o joelho inchado que eu nao conseguia andar direito. (ainda to mancando) Fui pra faculdade so pra fazer duas provas e voltei, peguei minhas materias pelo email com uma colega minha de classe. Tambem entrei num estado meio depre sabe, cheguei ou chegamos tao perto de morrer e sabe quantas pessoas ligaram pra saber de mim ou vieram me visitar? pois e nenhuma, nem minha mae porque ela ta viajando...rsrs. Eu sei que ninguem tem a obrigacao de cuidar dos outros, mas e inevitavel pensar se eu tivesse no Brasil....As vezes me pego pensando o que aconteceria se eu tivesse morrido, sei la ninguem gosta de pensar em morte, mas acho que preciso me precaver e deixar alguma coisa resolvida no caso de "vai que".
Minha licao foi nao importa o quao ocupada eu ando, se for fazer hiking e bom checar tudo que a gente ta levando (eu e seja la mais quem for), perguntar os possiveis problemas de saude e ficar atenta aos sinais, porque quando vi um punhado de almonds e so uma garrafa pequena d`agua na bolsa da outra pessoa eu deveria ter voltado, mas nao voltei e no final olha so no que deu. A gente teve sorte que saiu com vida, encontramos uma enfermeira na segunda "crise" e outras pessoas que ajudaram e tudo terminou bem, mas tinha tudo pra ir errado e podia ter dado muito errado.